HIPOTENUSAS
O projeto artístico de António Bolota redesenha o espaço do Project
Room do BAG, propondo-o como um lugar especulativo de ação, de
questionamento e de potência. O peso, o volume, a densidade, a posição e a
dimensão das obras do artista enfrentam a estrutura que as acolhe, operando
nela por desafio. “O desenho é a abertura da forma” 1 , no sentido referido por
Jean-Luc Nancy, implicando a origem, o envio, o ímpeto ou o levantamento,
mas também o seu não-fechamento ou uma não totalização. Preenchem,
ocupam e dominam estas salas pesadas e volumosas linhas de madeira que
se erguem diagonais, além da nossa altura, afirmando-se pela
monumentalidade e pela potência do gesto inacabado deste desenho no
espaço, que é também ‘contra’ o espaço. Como hipotenusas, estas obras
atuam, opondo-se ao ângulo reto (no triângulo retângulo). É com recurso à
geometria que António Bolota vê e toca o espaço, tornando-o lugar pelo
combate da ortogonalidade. O lugar resulta da elevação e da soma das
oponentes e, neste sentido, é como lado oposto que se configura desenho,
encontro e construção geométrica triangular de vida, de arte e de fazer: de
seguir vivendo...
1 Cf. Nancy, Jean-Luc (2022). O Prazer no Desenho. Lisboa: Fund. Carmona e Costa -
Documenta.
O espaço – sustentar e contradizer
Estruturas que, simultaneamente, sustentam e contradizem o espaço. As hipotenusas, de António Bolota, configuram-se em linhas pesadas e densas de madeira, combatendo a ortogonalidade, trazendo um novo discurso à austeridade do espaço que as acolhe. Inevitavelmente, estas obras tornar-se-iam também elas sinónimo dessa austeridade. A normalidade, independentemente da sua composição: o habitual, o dia-a-dia, o que vemos sempre, torna-se, mais tarde ou mais cedo, em contenção.
Homogeneidade e semântica
Referido no texto da folha de sala por Rita Gaspar Vieira, esta exposição não é apenas um exercício matemático e geométrico, é também uma lição sobre os tempos que vivemos. Perante uma sociedade amplamente normatizadora, a oposição à norma é uma ação geradora de novas dinâmicas, novos movimentos. Explorando, ainda, semanticamente: as colocações destes elementos de madeira dão origem a dois novos ângulos, na relação com cada um dos ângulos retos impostos pelo espaço – ângulo, palavra que, para além da acessão no campo da geometria, significa também “maneira de pensar, de compreender, de abordar ou de observar. = Perspetiva, Ponto de vista[1]”. Deste modo, este projeto artístico é também um convite à deslocação e ao questionamento a partir de um novo lugar, numa fuga à padronização.
(Re)desenho
A instalação deste projeto, inevitavelmente associável ao campo expandido do desenho, convoca um despertar e um regresso à origem dessa prática artística, como aliás é referido por Rita Gaspar Vieira: o gesto visível que redesenha o espaço é gerador de pensamentos paralelos que o acompanham, o habitam e o superam. Gesto formalmente simples à partida, complexificado pela monumentalidade das peças. Estas novas geometrias apreendem partes do espaço que trazem novas dimensões ao mesmo, alterando a compreensão que dele temos. Cada hipotenusa cria uma circunscrição, uma nova dimensão, numa ação de transformação do local, como se cada elemento revelasse um novo método de pensamento de oposição à retidão da sala – ideia que se pode apoiar nas ligeiras diferenças formais entre elas.
Hipotenusas, como nós
Entre a sustentação e a ligação, entre a opacidade e dimensão antropomórfica destas estruturas, o corpo do espectador, enquanto potencializador de ação, é colocado no âmago da proposta. Um lembrete de que somos nós as hipotenusas do mundo, nessa possibilidade de confrontar e ligar, de contrariar a retidão dos pensamentos que preenchem os dias. No limite, de preencher vazios aprioristicamente inusitados.