HIPOTENUSAS

January 2023
Leiria
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O projeto artístico de António Bolota redesenha o espaço do Project

Room do BAG, propondo-o como um lugar especulativo de ação, de

questionamento e de potência. O peso, o volume, a densidade, a posição e a

dimensão das obras do artista enfrentam a estrutura que as acolhe, operando

nela por desafio. “O desenho é a abertura da forma” 1 , no sentido referido por

Jean-Luc Nancy, implicando a origem, o envio, o ímpeto ou o levantamento,

mas também o seu não-fechamento ou uma não totalização. Preenchem,

ocupam e dominam estas salas pesadas e volumosas linhas de madeira que

se erguem diagonais, além da nossa altura, afirmando-se pela

monumentalidade e pela potência do gesto inacabado deste desenho no

espaço, que é também ‘contra’ o espaço. Como hipotenusas, estas obras

atuam, opondo-se ao ângulo reto (no triângulo retângulo). É com recurso à

geometria que António Bolota vê e toca o espaço, tornando-o lugar pelo

combate da ortogonalidade. O lugar resulta da elevação e da soma das

oponentes e, neste sentido, é como lado oposto que se configura desenho,

encontro e construção geométrica triangular de vida, de arte e de fazer: de

seguir vivendo...

1 Cf. Nancy, Jean-Luc (2022). O Prazer no Desenho. Lisboa: Fund. Carmona e Costa -

Documenta.

O espaço – sustentar e contradizer

Estruturas que, simultaneamente, sustentam e contradizem o espaço. As hipotenusas, de António Bolota, configuram-se em linhas pesadas e densas de madeira, combatendo a ortogonalidade, trazendo um novo discurso à austeridade do espaço que as acolhe. Inevitavelmente, estas obras tornar-se-iam também elas sinónimo dessa austeridade. A normalidade, independentemente da sua composição: o habitual, o dia-a-dia, o que vemos sempre, torna-se, mais tarde ou mais cedo, em contenção.

Homogeneidade e semântica

Referido no texto da folha de sala por Rita Gaspar Vieira, esta exposição não é apenas um exercício matemático e geométrico, é também uma lição sobre os tempos que vivemos. Perante uma sociedade amplamente normatizadora, a oposição à norma é uma ação geradora de novas dinâmicas, novos movimentos. Explorando, ainda, semanticamente: as colocações destes elementos de madeira dão origem a dois novos ângulos, na relação com cada um dos ângulos retos impostos pelo espaço – ângulo, palavra que, para além da acessão no campo da geometria, significa também “maneira de pensar, de compreender, de abordar ou de observar. = Perspetiva, Ponto de vista[1]”. Deste modo, este projeto artístico é também um convite à deslocação e ao questionamento a partir de um novo lugar, numa fuga à padronização.

(Re)desenho

A instalação deste projeto, inevitavelmente associável ao campo expandido do desenho, convoca um despertar e um regresso à origem dessa prática artística, como aliás é referido por Rita Gaspar Vieira: o gesto visível que redesenha o espaço é gerador de pensamentos paralelos que o acompanham, o habitam e o superam. Gesto formalmente simples à partida, complexificado pela monumentalidade das peças. Estas novas geometrias apreendem partes do espaço que trazem novas dimensões ao mesmo, alterando a compreensão que dele temos. Cada hipotenusa cria uma circunscrição, uma nova dimensão, numa ação de transformação do local, como se cada elemento revelasse um novo método de pensamento de oposição à retidão da sala – ideia que se pode apoiar nas ligeiras diferenças formais entre elas.

Hipotenusas, como nós

Entre a sustentação e a ligação, entre a opacidade e dimensão antropomórfica destas estruturas, o corpo do espectador, enquanto potencializador de ação, é colocado no âmago da proposta. Um lembrete de que somos nós as hipotenusas do mundo, nessa possibilidade de confrontar e ligar, de contrariar a retidão dos pensamentos que preenchem os dias. No limite, de preencher vazios aprioristicamente inusitados.